Quando falamos em moedas digitais, é comum colocar tudo no mesmo balaio. Mas o jogo bac bo nos ensina que entender as regras é essencial para saber o que está em jogo — e com CBDCs e criptomoedas, não é diferente. O Drex, versão digital do real lançada oficialmente pelo Banco Central em 2023, é um exemplo claro de como os governos estão entrando nesse campo com propostas bem distintas das criptos tradicionais.
Enquanto o Drex nasce com foco em inclusão, redução de custos e contratos inteligentes seguros, moedas como Bitcoin e Ethereum seguem firmes na lógica da descentralização. A diferença está no DNA: CBDCs são reguladas, com lastro estatal e políticas monetárias bem definidas. Já as criptomoedas operam livremente, com oferta controlada por código e sem a tutela de bancos centrais. Isso impacta tudo — da volatilidade à confiança do público.
O Drex, por exemplo, tem o mesmo valor do real físico, o que reduz incertezas e torna a adoção mais simples para o brasileiro médio. Já as criptos continuam desafiando a lógica tradicional, com mais liberdade, mas também mais riscos. No fim, são dois caminhos distintos que buscam o mesmo destino: reinventar o dinheiro.
O mapa da disputa global
A disputa entre CBDCs e stablecoins ganhou contornos geopolíticos em 2025. Nos Estados Unidos, a mensagem foi clara: o dólar digital está fora de cogitação. Uma ordem executiva assinada pelo presidente Trump baniu oficialmente a criação do CBDC americano. No lugar disso, o foco é total nas stablecoins indexadas ao dólar — especialmente aquelas com reservas em títulos do Tesouro.
Essa estratégia visa reforçar a dominância global da moeda americana. A lógica é simples: se o mundo inteiro já negocia em dólar, por que criar uma versão digital estatal quando o mercado pode fazer isso com mais flexibilidade? O Federal Reserve e o Congresso alinharam esse discurso, enxergando nas stablecoins uma forma de manter o dólar no centro do sistema financeiro internacional sem abrir mão do controle regulatório.
Enquanto isso, a União Europeia vai na direção oposta. O euro digital avança sob uma estrutura pesada de regulação, impulsionada pela MiCA, que exige reservas líquidas na proporção de 1:1 para stablecoins não europeias. A ideia é proteger o euro e criar uma alternativa robusta ao avanço das stablecoins lastreadas em dólar. Países como França e Alemanha têm liderado o projeto como forma de blindar a autonomia financeira da região.
Já Rússia e China adotam outra abordagem. Suas moedas digitais — o yuan digital e o rublo digital — são usadas como ferramentas de influência. Em acordos bilaterais e em plataformas como a mBridge (da qual o BIS se afastou), essas CBDCs têm sido usadas para contornar sanções e testar novos formatos de comércio internacional. É uma disputa silenciosa, mas que pode redefinir o equilíbrio monetário global.
No meio desse jogo, o Banco de Compensações Internacionais deixou claro que não pretende endossar iniciativas que esbarrem em sanções. Esse movimento reforça o quanto a política e a tecnologia estão entrelaçadas — e como a batalha pelas moedas digitais está longe de ser apenas sobre eficiência ou inovação. É uma questão de poder.
Drex no jogo: o plano brasileiro
O Brasil não ficou de fora da corrida digital. Inspirado no sucesso do Pix, o Banco Central vem moldando o Drex como uma solução que vai além dos pagamentos instantâneos. A ideia é ambiciosa: integrar contratos inteligentes, facilitar a vida de quem está fora do sistema bancário e, ao mesmo tempo, manter a moeda nacional competitiva no cenário global. Desde 2020, o Bacen se apoia em estudos técnicos, como os realizados no LIFT Challenge em parceria com a Fenasbac, para construir essa infraestrutura.
O Drex é a cara do real no mundo digital, mas com uma roupagem moderna. Ele tem como base a mesma paridade e estabilidade do real físico, só que com novas funcionalidades. Em 2025, os testes envolvem desde a viabilidade de uso em compras online e físicas até a integração com serviços públicos. A interoperabilidade com stablecoins, por exemplo, está no radar — especialmente pensando em facilitar importações, exportações e transferências internacionais.
Outro ponto forte é a inclusão financeira. Estima-se que milhões de brasileiros ainda não têm acesso completo ao sistema bancário tradicional. Com o Drex, o Bacen quer encurtar essa distância. A automatização via contratos inteligentes, pensada para serviços como microcrédito e transferências condicionais, pode abrir espaço para novos modelos de negócios de baixo custo.
Tudo isso acontece em paralelo à regulamentação das PSAVs, as prestadoras de serviço de ativos virtuais. Essa regulação é crucial para evitar fraudes e garantir que novos players do mercado operem com responsabilidade. A expectativa é que, até o fim de 2025, o Drex esteja pronto para sair do ambiente de testes e assumir protagonismo como uma alternativa viável frente aos criptoativos mais instáveis.
Nem heróis, nem vilões
É fácil cair na tentação de pintar CBDCs e criptomoedas como adversários jurados, mas isso não reflete a realidade. Eles têm papéis diferentes — e complementares. Enquanto as moedas digitais estatais oferecem previsibilidade e aderência às políticas públicas, as criptos exploram possibilidades que os bancos centrais não conseguem (ou não querem) acompanhar.
As CBDCs, como o Drex, podem funcionar muito bem em programas sociais, pagamentos do governo e integração com sistemas fiscais. Já as criptomoedas brilham em ecossistemas descentralizados como o DeFi, tokenização de ativos e investimentos alternativos. A chave está em entender onde cada uma se encaixa melhor — e não tentar forçar um duelo que ninguém precisa.
A convivência entre os dois modelos já está acontecendo em muitos países. Em vez de travar uma batalha por supremacia, o foco agora é encontrar equilíbrio. É por isso que a educação financeira tem ganhado espaço nas discussões sobre o futuro do dinheiro. Um público bem informado sabe que pode usar uma stablecoin para enviar valores ao exterior e o Drex para pagar um imposto sem medo de instabilidade.
Se tem algo que 2025 está deixando claro, é que a revolução digital não vai ter um único vencedor. Quem souber navegar com inteligência entre os dois mundos — regulado e descentralizado — terá mais opções, mais controle e menos risco. E isso, por si só, já muda o jogo.